1983: O Ano em que os Videogames Quase Desapareceram
Você já imaginou um mundo sem videogames? Difícil de pensar hoje, com uma indústria que movimenta bilhões e games que parecem quase reais. Mas em 1983, isso quase aconteceu! Vamos embarcar em uma viagem no tempo para conhecer um dos eventos mais dramáticos e fascinantes da história dos games: o grande crash que quase destruiu tudo!
E. Frank e Equipe editorial
5/7/20257 min read


O Império que Parecia Invencível
No início dos anos 80, os videogames estavam em seu auge. A Atari reinava absoluta nas salas de estar americanas com seu famoso console Atari 2600, que dominava o mercado com uma margem impressionante.
Em 1982, o cenário era de pura empolgação:
Mais de 10 milhões de consoles Atari vendidos só nos EUA
Arcades (fliperamas) lotados em todos os shopping centers
Faturamento da indústria de games na casa dos US$ 3,2 bilhões (valor astronômico para a época!)
Jogos como Space Invaders batendo recordes de vendas
O crescimento parecia imparável. A febre dos games tinha conquistado a América, e ninguém imaginava que uma tempestade perfeita estava se formando.
Os Primeiros Sinais de Problemas
Como todo bom drama, esta história tem sinais de alerta que foram ignorados. E não foram poucos!
O Mercado Saturado
No final de 1982, o mercado de videogames estava completamente abarrotado. Dezenas de empresas surgiram da noite para o dia, todas querendo uma fatia daquele bolo bilionário. A consequência? Uma avalanche de consoles e jogos à venda:
Atari 2600, Intellivision, ColecoVision, Odyssey², Vectrex e muitos outros disputando espaço nas prateleiras
Centenas de empresas de software surgindo do nada
Jogos sendo lançados às dezenas toda semana
Se hoje isso pode parecer normal, na época era caótico! Como disse um analista da Goldman Sachs em 1983, "a demanda por jogos cresceu 100% em relação ao ano anterior, mas a produção aumentou 175%", criando um excesso gigantesco de produtos encalhados nas lojas.
A Qualidade em Queda Livre
Com tantas empresas entrando no mercado sem experiência, a qualidade dos jogos despencou. Qualquer um podia criar e vender jogos para o Atari 2600, que não tinha nenhum sistema de controle de qualidade. O resultado? Uma enxurrada de jogos terríveis.
As prateleiras estavam cheias de títulos mal acabados, com gráficos pobres, cheios de bugs e praticamente injogáveis. Os consumidores ficavam cada vez mais frustrados com compras decepcionantes.
Dois Titãs que Aceleraram o Desastre
Entre todos os problemas que contribuíram para o crash, dois jogos específicos se tornaram símbolos do desastre: Pac-Man e E.T. the Extra-Terrestrial, ambos para o Atari 2600.
O Caso Pac-Man
Pac-Man era um fenômeno nos arcades, e a Atari pagou uma fortuna pelos direitos de fazer a versão doméstica. A expectativa era gigantesca - afinal, quem não queria jogar Pac-Man em casa?
Mas aqui veio o problema: o Atari 2600 não tinha capacidade técnica para reproduzir fielmente o jogo de arcade. Em vez de adiar o lançamento ou melhorar o hardware, a Atari optou por uma versão simplificada e apressada.
O resultado foi catastrófico:
Gráficos piscantes que causavam desconforto visual
Efeitos sonoros irritantes e nada parecidos com o original
Jogabilidade travada e frustrante
Fantasmas que pareciam mais blocos quadrados do que os icônicos inimigos do Pac-Man
Mesmo com todos esses problemas, a Atari produziu mais de 12 milhões de cartuchos - mais do que o número de consoles vendidos até então! A ideia era que as pessoas comprariam o console só para jogar Pac-Man. Apesar de vender mais de 7 milhões de unidades (tornando-se o jogo mais vendido para o sistema), o resultado ficou muito abaixo das expectativas e deixou um imenso estoque encalhado.
A Catástrofe Chamada E.T.
Se Pac-Man já tinha sido um desastre, E.T. elevou o problema a um novo patamar. Em julho de 1982, a Atari fechou um acordo para os direitos do filme de Steven Spielberg, pagando uma quantia estimada entre US$ 20-25 milhões - valor absurdo para a época.
O problema? O jogo precisava estar nas lojas para o Natal daquele ano, o que deixou apenas 5 semanas para desenvolver o produto do zero! O programador Howard Scott Warshaw, que havia criado sucessos como Yars' Revenge, aceitou o desafio impossível.
Trabalhando praticamente sem dormir, Warshaw entregou o jogo no prazo, mas o resultado foi um dos títulos mais confusos e frustrantes já criados:
Jogabilidade incompreensível sem o manual
E.T. constantemente caindo em buracos dos quais era difícil escapar
Objetivos do jogo pouco claros
Gráficos simplistas que mal lembravam o amado personagem do filme
A Atari, confiante no sucesso do filme, produziu cerca de 4 milhões de cartuchos. As vendas ficaram muito abaixo do esperado, com apenas 1,5 milhão de unidades comercializadas. O restante? Virou um dos maiores fiascos da história dos videogames.
O Colapso Total
Em dezembro de 1982, a Warner Communications (dona da Atari) anunciou que o crescimento previsto de 50% seria, na verdade, de apenas 10-15%. No dia seguinte, as ações da empresa desabaram 33% na bolsa.
O que se seguiu foi um efeito dominó:
A Queda da Atari
A gigante dos games sofreu o maior impacto:
Perda de US$ 356 milhões em 1983
Demissão de 30% dos seus 10.000 funcionários
Transferência de toda produção para Hong Kong e Taiwan
Armazéns lotados de jogos e consoles que ninguém queria comprar
A situação ficou tão dramática que, em setembro de 1983, a Atari precisou se livrar do excesso de estoque de maneira discreta. Caminhões carregados de cartuchos encalhados (incluindo E.T. e Pac-Man) foram despejados em um aterro sanitário em Alamogordo, Novo México, e cobertos com concreto.
Este evento se tornou lendário na história dos games, com muitos duvidando que realmente tivesse acontecido. Foi apenas em 2014, quando uma escavação arqueológica confirmou a presença dos cartuchos enterrados, que o "mito urbano" foi comprovado como realidade.
O Mercado em Queda Livre
O impacto se espalhou rapidamente por toda a indústria:
O faturamento do setor despencou de US$ 3,2 bilhões em 1982 para apenas US$ 100 milhões em 1985 - uma queda de quase 97%!
Empresas como Magnavox e Coleco abandonaram completamente o negócio de videogames
Pequenas desenvolvedoras de software fecharam as portas aos montes
Lojas cancelaram pedidos e devolveram estoques em massa
Varejistas passaram a ver videogames como um modismo passageiro que tinha acabado
Para muitos analistas e meios de comunicação da época, os videogames eram "a febre da hula-hoop dos anos 80" - algo que tinha vindo para sumir rapidamente.
A Concorrência dos Computadores Pessoais
Enquanto o mercado de consoles implodiu, os computadores pessoais ganhavam força. Modelos como o Commodore 64, Apple II e ZX Spectrum ofereciam não só jogos, mas também outras utilidades:
Possibilidade de programar e criar seus próprios softwares
Uso educacional que atraía os pais preocupados com o futuro dos filhos
Possibilidade de processamento de texto e planilhas
A Commodore foi particularmente agressiva em sua estratégia, com anúncios que atacavam diretamente os consoles, oferecendo trade-ins (troca do videogame por desconto na compra do computador) e afirmando que "crianças com destino à universidade precisam de computadores, não de videogames".
Os preços dos computadores caíam rapidamente, tornando-os mais competitivos com os consoles. Em 1983, um Commodore VIC-20 custava menos que um Atari 2600!
Como os Videogames Sobreviveram
Por quase dois anos, o mercado de videogames nos EUA permaneceu praticamente morto. Muitos acreditavam que era o fim definitivo da indústria. Mas então, vindo do outro lado do Pacífico, surgiu a salvação.
O Herói Improvável: Nintendo
Uma empresa japonesa de jogos que havia percebido o desastre americano decidiu tentar uma abordagem diferente. A Nintendo havia lançado seu console Famicom no Japão em 1983 (onde não houve crash), e planejava sua entrada no mercado americano.
Reconhecendo o estigma associado aos videogames, a Nintendo executou uma estratégia brilhante:
Redesenhou o console para parecer mais um aparelho de entretenimento do que um videogame
Incluiu um robô (R.O.B.) e uma pistola de luz (Zapper) para diferenciar o produto
Rebatizou-o como "Nintendo Entertainment System" (NES), evitando a palavra "videogame"
Implementou um chip de segurança que impedia jogos não autorizados
Estabeleceu rígidos padrões de qualidade para todos os desenvolvedores
Quando o NES chegou oficialmente aos EUA em 1985, a recepção foi inicialmente cautelosa. Mas jogos incríveis como Super Mario Bros., The Legend of Zelda e Metroid logo conquistaram os jogadores e provaram que os videogames estavam de volta - e melhores do que nunca.
As Lições Aprendidas
O crash de 1983 não foi apenas um colapso econômico - foi um ponto de virada que redefiniu como a indústria funcionaria dali em diante:
Controle de qualidade rigoroso: A Nintendo introduziu o "Selo de Qualidade", garantindo que todos os jogos passassem por aprovação antes do lançamento.
Restrições a desenvolvedores externos: Acabou a festa de qualquer um fazer jogos; agora as empresas precisavam de licença oficial.
Marketing orientado para toda a família: Games passaram a ser promovidos como entretenimento para todas as idades, não apenas brinquedos.
Ênfase em games exclusivos de qualidade: Títulos como Mario e Zelda mostraram a importância de personagens icônicos e experiências memoráveis.
Mudança de poder para o Japão: A dominância americana nos consoles acabou, com Japão assumindo a liderança por décadas.
O Legado do Grande Crash
Olhando para trás, o crash de 1983 foi um "reset necessário" para uma indústria que crescia sem controle. Apesar do trauma, ele permitiu que os videogames ressurgissem de forma mais madura e sustentável.
Hoje, com um mercado global de centenas de bilhões de dólares, é fácil esquecer que os videogames quase acabaram. Mas a história do crash continua sendo um lembrete poderoso sobre os perigos da ganância desmedida, da falta de controle de qualidade e das expectativas irrealistas.
Se você joga videogames hoje, agradeça à Nintendo e às lições aprendidas com o crash de 1983. Sem aquele doloroso momento de quase-extinção, o cenário dos games como conhecemos poderia ser completamente diferente!
E da próxima vez que encontrar um jogo ruim, lembre-se: por mais frustrante que seja, pelo menos não é tão catastrófico quanto E.T. do Atari 2600 - o jogo que ajudou a derrubar uma indústria inteira!
Curiosidades Fascinantes
Os cartuchos enterrados no Novo México se tornaram uma lenda urbana por décadas, até serem descobertos em 2014 durante as filmagens de um documentário.
Howard Scott Warshaw, o programador de E.T., mais tarde se tornou psicoterapeuta e escreveu um livro chamado "Once Upon Atari" sobre suas experiências.
A Nintendo inicialmente tentou fazer parceria com a própria Atari para lançar o Famicom nos EUA, mas o acordo fracassou devido à crise financeira da Atari.
Durante o auge da crise, você poderia encontrar jogos de Atari 2600 sendo vendidos por US$ 1 em "cestas de pechincha", quando originalmente custavam US$ 30-40.
Alguns especialistas acreditam que, sem o crash, a indústria teria se tornado insustentável e poderia ter desaparecido completamente em vez de ressurgir renovada.